sábado, 8 de março de 2014

XI - FÉRIAS FORÇADAS

-FARDA OU FARDO?-
Dia de chegada do Cessna, dia de Correio, portanto. Uma operação helitransportada iria decorrer nos dias seguintes, portanto, a Coutada estava com todos “os nossos primos” pertencentes à Esquadra de Alouettes de Apoio. Estou a ler a carta recebida de casa e tenho os olhos lacrimejantes. Um carcamanho aproxima-se de mim e pergunta: “Bad news?” Explico-lhe que o meu pai está muito doente, que diz que não quer morrer sem me voltar a ver, e a família pergunta se posso vir à Metrópole. Estiveram meses a esconder-me dois AVC’s que o meu pai sofrera, no espaço de poucos meses. Ele nunca se conformou com a minha ida para África, até porque não tive coragem de me despedir dele. Parti como se voltasse no próximo fim-de-semana, mas sabia que iria para o Uíge daí a dias. Como já estávamos em 1970, logo no ano imediato ao início da Comissão, eu tinha já direito a férias. Contei a situação ao Capitão Santana e ele disse logo de imediato: - “Oh Mota, trate já disso que eu dou despacho favorável já hoje e remeto para o Comando de Setor, via Rádio, para aprovação”. Tudo resolvido com muita rapidez, incluindo os contactos com a TAP para aquisição dos bilhetes e do benefício que nós, militares, tínhamos em poder pagar em 12 prestações mensais, descontadas no vencimento (soldo). Embarco no Cessna sul-africano para Serpa Pinto e fico lá a aguardar passagem para Luanda, por avião da D.T.A. (Divisão dos Transportes Aéreos), via Nova Lisboa, uma vez que o voo não era diário.
O CASTRO MARIA, O AUTOR, O ACÁCIO SAMPAIO
E OUTRO CAMARADA
Aí sou acolhido pelo pessoal graduado, quase todo do meu Curso de Milicianos. Estou com o Acácio Sampaio (meu amigo de infância), com o Rego, com o Fernandes, com o Zé Mário (e a sua cabrinha), com o Castro Maria e outros mais que não me lembro. Estando no quarto a ver fotografias, vejo, numa delas, o Sarreirita, camarada que pertencia ao meu Pelotão de Instruendos e em cuja fila, que era por alturas, ficava muito próximo de mim. Ele sofria do coração e tinha dificuldades nos crosses. Levei-lhe a arma, carregando duas, portanto, várias vezes, porque ele fraquejava um pouco. Dizia nessa altura que tinha a certeza que iria para Atirador e que iria morrer na Guerra. Dizia-lhe eu; “eh pá, as tuas chances são as mesmas das minhas e de todos nós! Tem calma e vamos mas é acabar esta fase”. Nunca mais o vi, pois cada um seguiu o seu destino, para as mais diversas Especialidades. Retomando a narração: pergunto então por ele e fico a saber aí o que lhe aconteceu no Lupire, Destacamento do Cuito Cuanavale. Mais tarde, muitos anos depois, através do David Ribeiro, meu colega de Banco e que com ele estava no Destacamento, conheço todos os pormenores deste lamentável acidente. Ironia do destino: o Castro Maria, citado acima, acabada a Comissão, também se tornou meu colega de profissão, pois empregou-se no Banco Borges & Irmão, primeiro no Porto, onde o encontrei várias vezes, depois em Vila do Conde, sua terra natal e onde vivia, cuja família era e é conhecida pela alcunha dos Varelas. Num brutal assalto ao Banco, perpetrado por energúmenos transportados de moto, ele é abatido com um tiro na cabeça, pois, não se tendo apercebido de nada porque estava absorvido no computador, não se imobilizou, como os bandoleiros exigiram. Fui ao seu funeral que, com tanta gente presente e a demora do cortejo fúnebre, só desceu à terra já noite cerrada.

Embarco para Luanda e logo nessa noite parto para o Porto, via Lisboa, em avião da TAP. Estávamos em fevereiro, frio de rachar, e eu com roupa tropical. A família e namorada me esperavam no Aeroporto de Pedras Rubras, com o meu sobretudo, um chapéu e um cachecol.  
                             
Carlos Jorge Mota

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