sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O QUE AINDA NÃO FOI DITO SOBRE A GUERRA DO ULTRAMAR

-OPINIÃO-
Poderá parecer paradoxal falar ou escrever sobre um tema associado à guerra colonial, quando nao vivenciámos, de forma direta, os acontecimentos, nem estivemos expostos a experiências tão absurdas e desumanas como as que ouvimos relatar aos verdadeiros sujeitos dessa guerra. Tendo essa circunstância como motivo mais imediato para a nossa reflexão, não deixaremos, no entanto, de aludir a toda uma geração de homens e mulheres que experimentou os efeitos dolorosos desse acontecimento humilhante da nossa história. Mas perguntar-se-á: terá sido a dor menos intensa e injusta para os que a viveram do lado de cá? Sabemos que a guerra do ultramar provocou muito sofrimento e não apenas aos que a viveram do lado de lá do mar. Em termos éticos, políticos e sobretudo humanos, provocou, continua a provocar efeitos diferidos enquanto passado ainda tão presente.

Mas, em todo o caso, o que nos importa neste texto não é abordar os diversos modos humanos de sofrer, cartografando o grau de intensidade da dor. Na verdade, a dor e o sofrimento são experiências profundamente singulares, complexas e íntimas, daí a impossibilidade de se avaliar quanto vale uma dor. Todos sabemos que o acontecimento da guerra, enquanto acontecimento, foi vivido como um mal e como uma ameaça à pessoa humana e ao seu projeto de vida, estigmatizando as linhas de uma experiência de profunda rutura com o presente. Cá e lá ficámos mergulhados num tempo não cronológico, riscado a lápis em calendários inertes que regulavam um quotidiano disfórico e decetivo, pois a ausência tinha levado consigo o futuro. Era como se o fio da história ficasse suspenso pelo tempo da incerteza e pelo medo da perda.

Sim, o medo imaginado e/ou real que era imanente tornava-se todos os dias numa ameaça iminente. Em verdade, vivíamos num receio permanente de receber más notícias. Sabíamos que o lugar do outro estava marcado pela vulnerabilidade, pelo acidente e pela morte.

Somos o único ser que procura dar forma ao medo, para que o possamos superar. O medo remete para uma reação perante uma ameaça concreta, identificável, pelo menos nos seus contornos mais evidentes. Conhecendo as causas que geram o medo, é possível classificá-lo, catalogá-lo e, progressivamente, racionalizá-lo tendo em vista dissipar a estranheza nele contida.

Quando o medo ultrapassa esses limites, isto é, quando se transforma numa ameaça abstrata ou indefinida, escapa às leis da lógica e coloca o homem à beira do abismo, numa situação de absurdidade, atormentando-o impedindo-o de ter uma vivência de bem-estar, transformando-se o medo em angústia e agonia, assumindo uma amplitude maior  e causando uma desconforto emocional muito grande. Um mal que leva o sujeito, muitas vezes, a bater no fundo, esgotando-lhe a vida e calando-lhe a voz. Este silêncio tem a violência expressiva de um grito que primeiro foi recalcado e depois, a pouco e pouco, foi sendo esquecido porque recordar provoca dor.

Os traumas da guerra estão ainda por supurar, o que na opinião de Eduardo Lourenço é "um caso de inconsciência coletiva".

A guerra colonial, enquanto acontecimento histórico, levanta ainda grandes interrogações, nunca foi reintegrado num discurso de saber. Na verdade, à boa maneira portuguesa, o caminho foi obliterar e assumir uma atitude de amnésia, lançando um nevoeiro sobre os factos, atribuindo-lhes um certo ar de «normalização», como se não existissem culpados nem culpa.

Todavia, muito já se escreveu  sobre a guerra do ultramar, mas a sua verdadeira história está ainda por fazer. Essa "resistência" coloca-se particularmente ao nível do testemunho, isto é, da deitização do "eu-aqui-agora". De facto, o testemunho faz-se sempre na primeira pessoa, e numa primeira pessoa insubstituível, única, que presenciou e/ou viveu os acontecimentos que constituem o conteúdo do seu depoimento. Daí que a história não seja um mero registo mimético e passivo dos acontecimentos do passado e da imagem dos objetos e das pessoas.

A construção da história deve ser plural e não ter um sentido único. No fundo, aquilo a que parece legítimo renunciar é ao exclusivismo de uma perspetiva que elimine a diferença, lançando na sombra o que se não inscreva nessa linha. Na verdade, não se tem memória de maior solidão do que aquela que é instaurada pela indiferenciação, isto é, quando anulamos a alteridade do Outro, fazendo da nossa imagem o reflexo de nós mesmos.

Nesta conformidade, é necessário fazer a história oral da guerra do ultramar, recuperando os testemunhos pessoais dos verdadeiros protagonistas dessa guerra, através das suas próprias memórias. Não se esquece, no entanto, que o indivíduo ao lembrar o tempo vivido, fá-lo sempre de forma seletiva, esquecendo uns factos, excluindo outros, de forma consciente ou inconsciente.

Sendo embora parcial e subjetiva, a memória oral é indispensável para conferir dignidade histórica e «descontaminar» os registos oficiais que relatam os acontecimentos da guerra, utilizando, para o efeito, uma só face da moeda.

Imagem: O GRITO DE EDVARD MUNCH - 1893
Leonor Santos  

domingo, 24 de novembro de 2013

LUNGUÉ-BUNGO - A ILHA

-TESTEMUNHO-
No leste da então "Província Ultramarina de Angola", muito perto daquele quadrado que entrava pela antiga Zâmbia, corria e corre o rio Lungué-Bungo, nome também atribuído ao local onde passámos alguns meses, na parte final da nossa comissão de serviço.
O RIO LUNGUÉ-BUNGO
A PONTE RIO LUNGUÉ-BUNGO

No meio deste rio existia uma ilha arborizada e com alguma dimensão, onde boa parte dos graduados da nossa companhia, quando não estavam de serviço no aquartelamento, ou em missões de protecção próxima aos trabalhos de construção da estrada Luso/Gago Coutinho, na protecção afastada em operações de reconhecimento e patrulhamento naquela zona, passavam uma boa parte do dia. 

A ILHA COM O SEU PADRÃO

Também naquele rio, na sua praia, tomávamos as nossas banhocas, fazíamos sky aquático (com a colaboração dos nossos amigos fuzileiros, também ali aquartelados) e lavávamos a roupa muito suada e empoeirada que assim ficava, após as deslocações que efectuávamos nas picadas do leste de Angola.

JM DESLIZANDO SOBRE AS ÁGUAS

BELAS BANHOCAS

Ah! Já me esquecia dos saltos do cimo da ponte para a água, que o Zé e eu próprio, fazíamos com outros camaradas, mas poucos e onde se assinalava os 9 669 KM, que nos separava de Lisboa. Ah! Que bela idade! Que bons momentos!

A DISTÂNCIA

Bom! Deixemos estas recordações lamechas  e voltemos à nossa ilha. A jusante da ponte estava aquartelado o Destacamento 11 dos Fuzileiros Navais, com quem tínhamos muito boas relações de vizinhança e camaradagem. 


AQUARTELAMENTO FUSOS

Quando já estávamos fartos das nossas banhocas e à boa maneira portuguesa, lá vinha o "petisco" e o convívio. Para além do velho frango assado, com muita cerveja fresquinha na tenda do "Fonseca", servido em mesa corrida e para mudar de ambiente viajávamos até à nossa ilha, navegando até lá nos zebros dos nossos camaradas e vizinhos fusos. Eram eles que, também, muitas vezes nos desafiavam para a viagem rumo ao "petisco".


NA TENDA DO FONSECA

  A VIAGEM 

Após sabermos quem queria ir ao "petisco" na ilha, graduados da nossa companhia e dos fusos, começavam a preparar a logística não só do transporte, mas também de tudo o que podia servir para o repasto. Ah! Não podia faltar a couve branca, para o chucrute do nosso primeiro, assim como a lata de chouriços vazia, para fabricarmos o "catembe". Para quem não sabe o que é o "catembe", passo a informar ser uma mistura muito explosiva de tudo o que à mão podia servir para beber, com excepção da água que provocava o paludismo. Desde a cerveja, vinho, seven up, brandy whisky, etc., etc..Tudo era despejado na lata de chouriços, que durante o repasto, passava de mão em mão para uma "golada". Admitimos que a principal bebida era a cerveja. Por vezes conforme os ingredientes também se lhe dava o nome de "tricofaite".


  O PETISCO

O PETISCO E A LATA DO CATEMBE

Para além das nossas conversas, recordando coisas passadas na metrópole, acompanhava-nos sempre a seguinte frase: "quando isto acabar  e quando chegar ao Puto, o que vou logo fazer é..."
Bons momentos passámos naquela ilha, comendo, bebendo, conversando, ouvindo música, descansando fisicamente  e espiritualmente, reparando o nosso stress, porque no dia seguinte "nunca se sabe!"

O DESCANSO

Bom! Quando o dia já se queria esconder no horizonte, chega a hora de abandonar a ilha e regressarmos aos nossos aquartelamentos. 
Pois! Nesta fase do petisco, muitos de nós estavam alegres e outros estavam muito , muito alegres. O regresso até ao cais do aquartelamento dos fuzileiros, fazia-se a uma velocidade elevada, dado o "combustível" metido, só que os rápidos existentes no rio, não eram contemporizadores com essa velocidade e os fusos acabavam por chegar ao seu quartel, com as hélices todas partidas. Nunca soube como eles justificavam tantas hélices partidas.
Por fim, resta dizer que os bons momentos passados naquela ilha, nos faziam esquecer tudo o resto por que passámos e o que nos restava passar.
É sempre agradável recordar esses momentos.
JM



segunda-feira, 18 de novembro de 2013

OUTROS CONVÍVIOS

-NOTÍCIA-
Aqui estamos outra vez para postarmos novos PE, publicados nas últimas três semanas pelo CM.
JM
PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
02NOV2013

PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
09NOV2013


PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
16NOV2013
JM

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

ENCONTRO 2002 C CAÇ 2505

-ENCONTROS C CAÇ 2505-
ENCONTRO C CAÇ 2505 EM POMBAL 2002

Hoje vamos postar tudo o que possuímos relativo a este Almoço/Convívio, que se realizou no dia 18 de Maio de 2002, no Restaurante O Manjar do Marquês, perto de Pombal.

Não pretende " Encontros da C Caç 2505" relatar à exaustão o que neles se passou, mas sómente falar deles, mostrar documentos referentes aos mesmos e claro as fotos mais significativas.

Vamos a isto...
JM
A CONVOCATÓRIA

CONVOCATÓRIA

O DISCURSO

EFECTUADO POR J M ANTES DO ALMOÇO

O DISCURSO POR JM

AS FOTOS

A CONCENTRAÇÃO

GRUPO SÓ EX-COMBATENTES

GRUPO SÓ EX-COMBATENTES

O ALMOÇO

CMDT BAT SOARES, SIMÕES E CARDOSO

ALMOÇO

ALMOÇO

CMDT BAT SOARES, SIMÕES,MERCA E CARDOSO

O CONVÍVIO

O CONVÍVIO

AVELINO E SILVA

MERCA E ELÍSIO

O CONVÍVIO

O CONVÍVIO

CARDOSO E SIMÕES

PRAZERES E PAUZINHOS
PEDRINHO MUITO PENSATIVO

MATEUS E PRAZERES
OS MILITARES NO FINAL DE FESTA

OS MILITARES NO FINAL DE FESTA

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

ANIVERSÁRIO DO BATALHÃO

-TESTEMUNHO-
Aniversário do Batalhão
 Comemorações desportivas sob o signo do azar!!!

CAMPO MILITAR DO GRAFANIL
Cumprida a missão no Dange, regressamos a Luanda e instalámo-nos no Grafanil, onde nos ficou confiada a missão, como companhia integrante do Batalhão de Caçadores 2872, o patrulhamento dos bairros periféricos de Luanda; guarda à rede; patrulhamento do comboio de Catete; e de vez em quando, o cerco aos referidos bairros, para deteção de movimentos do “inimigo” (voltaremos a este tema num novo testemunho).
Durante o tempo de permanência em Luanda, fizemos ainda uma intervenção de cerca de um mês em Nambuangongo e outra de 3 semanas nas margens do rio Zenza, até que chegámos ao 1º aniversário da nossa chegada a terras de Angola.
COZINHA DE CAMPANHA NO ZENZA
CERIMÓNIA RELIGIOSA
O programa das festas, iniciou-se com uma missa matinal a cargo do nosso capelão, tenente João Araújo, a que não assistimos, mas não atribuímos a isso o que nos veio a acontecer mais tarde.
Um dos pontos altos eram as comemorações desportivas, com a realização dum torneio de futebol inter-batalhão, fizemos o primeiro jogo que ganhámos e passamos à final, onde íamos defrontar a equipa da CCS, que também tinha vencido o primeiro encontro.

LANCE DUM JOGO DAS COMEMORAÇÔES
No jogo da final, tudo nos correu mal, fomos goleados, por números que já não nos recordamos, mas pior do que isso, no decorrer do jogo, ao saltarmos a uma bola alta junto da nossa baliza, fomos embater num dos postes (os postes das balizas nessa época, eram de construídas de barrotes de madeira, com esquinas em forma de paralelepípedo), provocando-nos um corte, mais ou menos longo, que nos levou ao Hospital Militar de Luanda, acompanhou-nos nessa viagem o Furriel Gabriel (chefe da enfermaria da nossa companhia).
EQUIPA DE FUTEBOL DA C CAÇ 2505
No Hospital Militar, fomos suturados com dezassete pontos (ainda temos do lado esquerdo da cabeça as marcas desse infortúnio), a anestesia à base de éter, não foi suficientemente eficaz, e, os últimos pontos, causaram-nos uma dor horrível, que tínhamos a sensação que nos arrancavam o couro cabeludo. De vez em quando o sargento enfermeiro, que fazia a cirurgia, perguntava se doía, mas como queríamos que aquilo terminasse o mais rapidamente possível, respondíamos abanando a cabeça que não. Finalmente terminou...
HOSPITAL MILITAR DE LUANDA
Regressados ao Grafanil, e como não tomámos qualquer sedativo, as dores eram imensas, já não jantamos, nem conseguimos assistir ao ponto mais alto das comemorações, que constava de um espetáculo de variedades, como sempre abrilhantado pelas senhoras e meninas do Movimento Nacional Feminino, pensamos que com alguns artistas da “rádio”, mas isso já não nos recordamos, mas que foto ao lado documenta.

ARTISTA DA RÁDIO

Na ocasião terão sido distribuídos alguns quilos de aerogramas, não podemos afirmar que tenha acontecido assim, mas era com o que nos presenteavam nessas ocasiões, nas visitas às unidades militares.
AEROGRAMA
Para nós, estas comemorações, já tinham terminado sob o signo do azar!!!
Fotografias: F. Santos e livro do Batalhão 2872
Texto: F. Santos