sábado, 12 de janeiro de 2013

Vivemos o pior e aprendemos o melhor

Transcrevemos na íntegra o depoimento recolhido pela jornalista do  Correio da Manha, Vanessa Fidalgo,na sua revista dos Domingos,do dia 26 de Agosto de 2012, com o título " A Minha Guerra ". 

Como vão reparar trata-se de um relato do nosso ex camarada da C Caç 2505, Leonel Costa.

Talvez por lapso de interpretação, somente actualizamos a data da Comissão que   é bem de Angola 1969-1971 em vez de Angola 1971-1973. Aqui fica a correcção.

JM


" a minha guerra    Depoimento recolhido por Vanessa Fidalgo "

" VIVEMOS O PIOR E APRENDEMOS O MELHOR"

NA MINHA COMPANHIA HOUVE CINCO MORTOS E OITO FERIDOS. E DEVO CONFESSAR QUE DEVO A MINHA VIDA À BEBEDEIRA DE UM CAMARADA

LEONEL COSTA


COMISSÃO
Angola, 1969-1971

FORÇA
Batalhão 2872, Companhia de
de Caçadores 2505

ACTUALIDADE
Vive em Arganil e tem uma empresa
de construção civil


Assentei praça em Leiria com 20 anos e fui tirar a especialidade de apontador de metralhadora no quartel de Abrantes. Depois fui fazer o IAO à base de Santa Margarida, ou seja, a preparação para combate, mas que era por quem nunca tinha estado no meio do mato a combater.
Embarquei no navio Uíge em Maio de 1969, com destino ao norte de Angola.
Foram doze dias em que viajámos como ratos, no porão, onde nem sequer casas de banho havia. Havia, isso sim, muitas melgas, de tal forma que, quando desembarquei em Luanda, já ia com paludismo e fui directamente para a enfermaria militar do Grafanil, enquanto o meu batalhão seguiu para a zona três, ou seja, a zona de Maria Fernanda, nos Dembos. a pior zona da guerra em Angola.
Logo no primeiro dia fomos atacados pelo inimigo e o dia mais triste da minha companhia foi ter de fazer mais de 60 quilómetros para ir levar o cadáver do rapaz a outro acampamento, pois como tínhamos acabado de chegar nem sequer tínhamos urnas para o transportar. Foi chorar de pena,de ódio, de raiva o caminho todo, para lá e para cá...
Servia-nos de consolo o correio, as cartas da família  e das madrinhas de guerra que chegavam duas vezes por semana e isso era quando chegavam, pois muitas vezes o comboio era atacado pelo caminho, sofria emboscadas e não havia entregas.
Da zona de Maria Fernanda fomos para a beira do rio Dange, onde ficámos literalmente abandonados à nossa sorte. Muitas vezes tivemos mesmo de de pescar se queríamos comer, pois nem mantimentos lá chegavam. Aí perdemos mais um homem, também num ataque.
De lá, seguimos para Luanda e depois para o Zenza, onde fazíamos missões de intervenção, ou seja, ajudar outra companhia que estava em dificuldades.


Um momento de descontracção com os colegas  no rio Dange, em que aproveitaram para subir a uma pedra, no meio do rio, sob a protecção dos companheiros
Num quimbo no sul de Cassange, onde fazíamos protecção a uma companhia de  engenharia que abria uma  picada.  Tínhamos comprado uma galinha ao soba para o almoço.
No dia em que recebi a metralhadora, em Maria Fernanda
Devo a minha vida

Seguiu-se o Nambuangongo e aí deixámos ficar mais três homens, se bem que aí foi por causa de um acidente. Na realidade eu também seguia a bordo da berliet que se virou, mas devo a minha vida a um camarada que, por acaso, nesse dia fazia anos e estava com os "copos". É que como operador de metralhadora eu costumava viajar numa berliet de torre, ou seja, lá dentro. Mas como ele, que era o condutor da berliet de torre estava bêbado, fui numa berliet de parapeito. Foi a Minha sorte! Quando se deu o acidente fui projectado para a berma da estrada, antes da berliet ter dado dezenas de voltas e ter-se despedaçado no fundo de uma ribanceira. Se aquilo tivesse acontecido na berliet de torre, eu tinha ficado lá dentro e era morte certa.
Nunca tive oportunidade de agradecer a esse rapaz, porque ele também veio a morrer, noutro acidente. Depois de Nambuangongo fomos terminar a comissão no Lungué Bungo, onde morreu o Jonas Savimbi. No sítio onde ele caiu morto, debaixo de uma mangueira, era onde eu e os meus colegas costumávamos esperar que o avião aterrasse para entregar o correio...
a Minha companhia sofreu, no total, cinco baixas mortais, e oito feridos.
Numa operação em que descobrimos um acampamento de "turras"

Em Nambuangongo, quando íamos buscaro correio que, por engano, tinha ido para a Beira Baixa
Como presidente da associação de ex-combatentes de Arganil, que tem quase 250 sócios, costumo até dizer aos outros homens que, por lá, vivemos o pior e aprendemos o melhor, que foi o sentido da união e da camaradagem. Às vezes choramos, às vezes rimos, mas é para isso que servem as recordações.

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